0.
O
mundo está próximo do caos.
A
civilização parece desmoronar.
Como,
afinal, chegamos a isso? E por quê?
Sou uma cidadã do mundo. Achei que isso bastasse para
entender as causas dos seculares acontecimentos históricos e prever os seus
desdobramentos. Achei que um olhar panorâmico, amoroso e isento, bastasse para
uma análise certeira do processo evolutivo do mundo e da humanidade.
Não
bastam.
É
preciso também ser cidadã do universo interdimensional para compreender um
primordial propósito divino nas dores e aflições que nos assolam desde tempos
pré-históricos: a evolução pelo aprendizado.
Aprendizado:
eis o propósito de nossas existências.
As muitas variedades de
aprendizagem: eis a nossa perdição.
1.
Independentemente de raça, cultura,
nacionalidade, religião, sexo e preferências sexuais, quase todos os atuais 7
bilhões da população mundial são materialistas científicos racionais.
Materialismo, Ciência e Razão: um
tripé instável por falta de um quarto apoio; um coquetel enganoso, viciante e
desequilibrado como receita de vida. Proporciona uma satisfação efêmera, que
induz à angústia de desejá-la permanente. A ansiedade vira busca frenética. O
frenesi vira ganância e ambição, que geram riqueza, poder, prazeres.
Fugazes,
insatisfatórios, narcotizantes.
Sabemos
agora do efeito nocivo desse coquetel porque a busca gerou egoísmo, orgulho e
hedonismo: matrizes deste mundo caótico.
Violência,
corrupção, rede de mentiras, ódio, assassinatos, geopolítica, libidinagem,
jogos de poder, fanatismo...
Assim
é o séc. 21 no planeta terra com seus 7 bilhões de habitantes.
Nem
sempre fomos tantos. Nem sempre fomos assim.
Será?
2.
A
infância da humanidade transcorreu de modo particularmente lento para os
padrões atuais.
Os
homens já estavam presentes na Terra há 3,6 milhões de anos.
Se
nos lembrarmos de que os dinossauros foram extintos há 64 milhões de anos, não
parece muito tempo. Cosmicamente falando.
A
partir de um evento revolucionário (talvez a habilidade de produzir fogo), a
humanidade levou pelo menos 40 mil anos para transformar-se coletivamente,
fazendo a primeira metamorfose civilizacional.
Por estarem submersos
num ambiente natural de forças irracionais, hostil e obscuro, os homens
pré-históricos interpretaram o universo através de signos e mensagens
“divinas”. Viver era uma experiência mística de reverencia, admiração e
humildade perante forças inexplicáveis.
É possível compreender
a reverência com que viam os feiticeiros e xamãs que sabiam interpretar essas
forças – supostamente atributos da vontade dos deuses.
Alguns a
chamam de “A Era dos Deuses”, em que, supostamente, os pajés, feiticeiros,
oráculos e profetas teriam tido ajuda e inspiração dos deuses para profetizar e
motivar a primeira metamorfose da sociedade humana – a longa e lenta
transformação das aglomerações pré-históricas em sociedades organizadas.
Foi uma era
de grandes avanços tecnológicos: arado, roda, domesticação do fogo, escrita,
moeda de troca. Formaram-se os núcleos familiares; estruturaram-se núcleos
sociais. Com ênfase no desenvolvimento técnico e utilitário, a humanidade
organizou-se como civilização e começou a manter os registros de sua História
por volta de 3.000 a.C., isto é há apenas 5.000 anos. (0)
O xamã, por dar
sentido a fatos e acontecimentos aparentemente sem sentido, estava mais próximo
da cibernética atual – pirotecnia para os sentidos, do que da cosmogonia
medieval – contrita, racional e dogmática.
Com seus atributos
mágicos o xamã alcançava as razões dos deuses e explicava o inexplicável.
Oferecia fé e valentia aos primitivos para combater o medo. Dava-lhes uma razão
para viver suas vidas miseráveis, resumidas em se matarem pela sobrevivência.
Em troca ganhava muito
poder.
3.
Evoluímos da ameba ao homo sapiens sob a égide
das leis naturais.
Seguiremos evoluindo até um estágio do qual,
agora, não conseguimos fazer a menor ideia. Mas temos ideia de como é lento o
nosso processo evolutivo. Então podemos fazer uma ideia do tempo que levaremos
para alcançar o status de divindades.
A primeira coisa que aprendemos ao nascer é
respirar. E, de forma consciente ou inconsciente, não paramos de aprender até o
momento do ultimo suspiro: a vida parece ser uma curta jornada de
aprendizado. E de tão breve a vida, uma
pessoa não consegue internalizar muitas mudanças comportamentais de natureza incongruente
(1)ao
longo de uma existência biológica. (2)
Cada época histórica tem um conceito de homem. Isto
é, a cada época a Sociedade estrutura-se por um conjunto de normas e valores
que norteiam o modo de viver das pessoas. A esse conjunto de normas e valores, chamamos Paradigma.
Se não fôssemos tão inteligentes e criativos como
somos, talvez pudéssemos viver eternamente conforme determinado paradigma, sem
questionamentos, como, por exemplo, as formigas, cujo modo de viver da
“sociedade” dos formigueiros não parece ter passado por transformações radicais
desde que surgiram na face da terra. (3)
Somos inteligentes e criativos. Se algo nos
incomoda e nos deixa muito insatisfeitos, inventamos soluções. Muitas dessas soluções, à primeira vista, não
parecem ser grande coisa. Dizem por exemplo que o filtro de café, de papel e
descartável, foi inventado pela vovó Melitta (4) porque ela não
gostava de lavar o coador de pano.
O grande impacto dessa invenção é o conceito de algo ser descartável.
Refletindo um pouco sobre isto, vemos que higiene
e praticidade são coisas que saltam aos olhos, mas, algo descartável é algo que
pressupõe desapego. É claro que, no velório de uma vovozinha,
ninguém iria dizer – “Ah! Ela era tão apegada a este coador... Tinha costurado
com tanto carinho!” – mas a verdade é que ninguém se apega a alguma coisa que é
descartável.
Assim, para o bem ou para o mal, o conceito – descartável – faz parte do
nosso atual jeito de viver. Fraldas descartáveis, copos e talheres
descartáveis, chinelos, lenços,... e, opa!, pessoas?!
O tempo é uma coisa inexorável e fantástica;
acaba nivelando o impacto das grandes e das pequenas invenções.
Não podemos, hoje, imaginar uma rotina de vida
sem luz elétrica e, embora nunca paremos para pensar, já nos acostumamos tanto
à ideia do descarte que não nos
surpreendemos muito quando um casamento se desfaz em apenas alguns meses,
quando uma pessoa troca de carro a cada seis meses, quando um funcionário vai
para o olho da rua, após quinze anos de dedicação à empresa...
Uma pessoa idosa, de personalidade conservadora –
que não consegue incorporar muitos dados novos em seu sistema de atitudes –
acharia que é um absurdo simplesmente descartar um funcionário antigo (ela
diria “gente da casa”) porque até pouco tempo atrás, quando as empresas eram
familiares, a maioria dos funcionários trabalhava na mesma empresa até
aposentar-se (ou morrer), pois o relacionamento patrão-empregado era bem
pessoal, em função, até, do tamanho das empresas. Hoje, numa corporação transnacional com
milhares de funcionários, não tem como evitar que o relacionamento
empresa-funcionário seja tão impessoal como está sendo.
Tomei dois exemplos (um, tecnológico – da
invenção da luz e, outro conceitual – do conceito “descartável”)
aleatoriamente, mas é possível pensar em dezenas de outros exemplos.
Um processo de transição se inicia quando se acumulam
algumas dessas “soluções” e invenções que introduzem mudanças de comportamento
e hábitos no seio da coletividade. Dependendo do alcance e intensidade do
processo, pode transformar completamente a estrutura social de uma civilização.
Podemos definir transição civilizacional como um longo período histórico em que dois universos sistêmicos de relações
sociais diferentes coexistem não muito pacificamente. Ou, como um período de confluência de diversas
mutações sociais, em meio a crises de todo tipo.
Uma transição de âmbito generalizado, como a que
estamos vivendo já há bastante tempo, provoca uma metamorfose civilizacional:
transformação total da estrutura da sociedade e das relações humanas dentro
dela, devido a mutações política, social, cultural e econômica, provocadas por
variados e concomitantes processos de transição.
Para facilitar o entendimento do processo, lanço
mão de conceitos matemáticos da teoria
dos conjuntos (5), que trata das propriedades e relações
entre conjuntos.
Em matemática, conjunto é uma coleção de elementos.
Muitas coisas compõem o nosso universo de vida:
família, escola, religião, política, arte, cultura, saúde, ética, moral,
trabalho, lazer, esportes, leis...
Vamos chamá-los elementos.
Esse conjunto de elementos, correlacionados por
interdependência, pertinência ou ambivalência, forma o sistema de valores
sustentador do tecido sociocultural de um ciclo da civilização.
Vamos chamá-lo Conjunto Universo.
Pois bem,
atualmente, a maioria de nós ainda conceitua a vida de acordo com uma coleção
de elementos, cuja relação de interdependência formula um modo de vida próprio
da Sociedade Industrial. Vamos chamar a
essa coleção de elementos pertinentes à sociedade industrial de CONJUNTO UNIVERSO INDUSTRIAL, representando os seus
elementos com quadrados cinzas, como
na figura 1.
Notas da autora:
0 – Em apenas 6.000 anos conseguimos destruir grande parte do que a
Natureza levou milhões de anos para desenvolver.
1 – Uma mudança incongruente exige extremo envolvimento psicológico, pois a pessoa
renega a sua linha de comportamento anterior e passa a agir de forma
completamente diferente e nova.
2 – Esta é uma
questão que fatalmente leva a considerações metafísico-religiosas como a
existência ou não da alma, imortalidade do espírito, reencarnação, criacionismo, evolucionismo científico,
fé....
3 – Apenas 3 a 5% dos
seres vivos que habitam a Terra são capazes de se organizarem em sociedades. As
formigas, assim como os homo sapiens, fazem parte desse seleto grupo.
4 – Melitta Bentz, alemã, inventou o filtro de
papel em 1908.
5 – A noção de Conjunto é
a trivial, que poderia ser coleção, classe ou sistema. Ao conceituar o
Conjunto-Universo, a teoria dos conjuntos admite a existência de um conjunto ao
qual pertencem todos os elementos de um determinado problema. No caso, estamos
lidando com os elementos que fundamentam e sustentam os valores sociais das
civilizações.
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