Terapia é um tratamento da alma.
Eu faço porque dentro de mim tem um
ringue de vale tudo. Nele comparecem duas velhas senhoras para lutar.
A Tristeza, que se veste de preto e
entra no ringue, desafiadora, mostrando os punhos fechados ou, dedo em riste,
provocando o velho e crítico Juiz. Nos melhores dias, chega de cinza, assim,
meio chumbo, fula da vida e, com cara de maracujá murcho, ignora a ignara
massa, mas se digna a fulminar o Juiz com seu olhar treisoitão.
A Alegria, ah, a Alegria, em plumas
e lantejoulas, chega saltitante, abraça o Juiz efusivamente e joga beijinhos
para a plateia, antecipando quimérica vitória. Nos piores dias, chega toda de
branco, faz poses de princesa e age como uma rainha, acenando para a plebe,
agitando os dedinhos lá do alto de sua realeza.
As lutas acontecem quase todo dia,
geralmente sem agendamento prévio.
A terapia? Só uma vez por semana,
dia e hora marcadas, mas nunca se sabe quem comparecerá para a entrevista: se
Alegria ou Tristeza, dependendo da luta do dia anterior.
A Terapeuta fica esperta. Prepara a
recepção com pétalas de rosas disfarçadas de luvas de pelica e mantas
quentinhas disfarçadas de lenços de papel. Confessa que, no fundo, curte a
expectativa, pois cada uma das duas velhas senhoras conhece golpes e artimanhas
do vale tudo de tirar o chapéu.
Abre a porta com um sorriso
escancarado e um olhar de lince a perscrutar os pigmentos que cobrem a velha
senhora. Ou as luzes que a envolvem.
Abre o leque de cores e explica
sobre as vantagens e desvantagens de cada oponente: a Tristeza tem todas as
cores do mundo, mas nenhuma luz; a Alegria tem a máxima graduação de luz, mas
nenhuma cor.
Tanta cor sem poder brilhar; tanta
luz sem aproveitar as cores da vida! . Não será melhor a meia luz; a cor do
meio? O equilíbrio?
As velhas senhoras se entreolharam
da última vez, cada qual em seu corner:
“Muhummmm...e isto se daria no meio do ringue?”
Diz a Terapeuta: o desequilíbrio é
criativo e bom para o escritor, mas o equilíbrio é melhor ainda. Que tal um
empate em vez de embate?
E, marota, jogou uma última bomba:
queres escrever igual a quem?
O gongo soou bem na hora em que a
pergunta atingiu os estômagos das velhas senhoras – “Empate? Eu, hein?!”.
Elas saíram do ringue olhando por
cima do ombro, com medo de ter perdido a luta, as cores, as luzes, alguma
coisa.
Na verdade tinham perdido a última
pergunta, disfarçada de papo trivial.
O Juiz anunciou a vencedora da luta,
levantando o braço da Terapeuta. O ginásio veio abaixo, tamanha a força da vaia
do público que não concordou com a vitória da Terapeuta de riso franco.
Esse Juiz sabe das coisas: enquanto as velhas
senhoras faziam as pazes no quintal ensolarado dentro de mim, grandes
escritores idolatrados saíram das luzes e sombras de mim. Piscaram e armaram um
circo. Sombrinhas coloridas em punho brincaram de se equilibrar na corda bamba
da criação.
Preciso dizer que me diverti às
pampas com eles?
22-setembro-2012.
Todos os direitos reservados AKEMI WAKI
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