Era uma
mulher divertida.
Alegre,
atarracada e gorda, arrancava gargalhadas de suas vizinhas. Muitas vezes por
horas, como se outros afazeres não houvesse para aquelas donas de casa súbito
infantilizadas, rindo e aplaudindo a comicidade da mulher. A calçada era um
circo.
Vez por
outra assisti ao espetáculo gratuito; divertia-me e, nem por sombra, pude
adivinhar a escuridão dos bastidores daquela mulher tão pateticamente
engraçada.
A primeira
rachadura na porcelana de meu sorriso estalou quando percebi uma certa
crueldade na platéia. Riam sim. Aplaudiam sim. Mas era da graça, da piada e da
pirueta que as mulheres gostavam. De resto, havia apenas um desrespeito, quase
imoral. Porque usavam o circo, usavam a mulher engraçada para readquirir
composturas: o auto-respeito delas salvaguardando-se.
A segunda
rachadura aconteceu quando a mulher percebeu, em mim, os vestígios da
primeira. Olhou-me com seriedade e, por
detrás das luzes alegres de seu olhar, adivinhei um profundo negrume.
O que não
esperava aconteceu: como um beato procura o vigário, ela me procurou. Suas
confissões foram deitando por terra meus cacos de porcelana até que não
restasse, de meu sorriso, senão um rosto nu diante da nudez de uma mulher
aviltada.
Penso que
foi uma atroz tentativa de salvação.
O que nem
eu, nem ela, podíamos entender era a fatalidade.
Compreendíamos
que um ser humano pode se tornar um invertebrado para amoldar-se às caixas de
presente que a vida lhe oferece. Mas, por quê?
A redenção
da mulher, por não compreender, é o picadeiro do circo.
Quanto à
mim, é pela misericórdia que me redimo.
Todos os direitos reservados AKEMI WAKI
Nenhum comentário:
Postar um comentário