ESTE
TEXTO DEVE SER LIDO COM BOA VONTADE, NA PENUMBRA, EM POLTRONA
CONFORTÁVEL. RECOMENDA-SE MUSICA SUAVE E WISKY ESTRANGEIRO.
“Era
um amor tranqüilo, porque correspondido.
Amava aquele homem cujo corpo era o
abrigo de uma dádiva fazendo parte de sua vida.
Abnegou-se à dádiva: deu-se em
crédito em troca da aleluia de ir vivendo ao lado daquele homem. Recebia as
noites com extrema calma e gratidão. Ao leito percebia um leve rumor das
estrelas, um quase palpável silêncio apenas entrecortado pelo farfalhar das
folhas lá fora. E então inebriava-se da loção de pinho misturando-se com o
cheiro do homem a seu lado.
- O perfume da loção combina tanto com você! –
dizia. Os olhos brilhantes.
Riam de prazer; do prazer de estarem
juntos. Amavam-se. E então ela deixava de perceber o leve silêncio das
estrelas.
- Quero viver para sempre! –
murmurava.”
INFELIZMENTE
NÃO ESTAVAM EM HOLLYWOOD, RAZÃO PORQUE A ESTÓRIA CONTINUA. APROVEITE O
INTERVALO PARA TOMAR UM CAFEZINHO.
“Setembro chegava e ele faria 33
anos.
Em festa, presenteou-o com um
barbeador.
A primeira barba com 33 anos foi
também a inauguração do presente. Animado, ele lhe disse que passasse as mãos
pelo rosto liso. Riram-se da infantilidade dessa animação de dar e receber, mas
logo o presente incorporou-se à rotina. Tornou-se comum ela despertar com o
leve zumbido do aparelho.
Certa manhã, entretanto, o zumbido a
incomodou como uma mosca dentro do ouvido. Cobriu-se aborrecida e acabou por
adormecer.
Pela primeira vez deixou de tomar o
café da manhã com o marido.”
É
GANCHO, GENTE. PÕE AI UMA MÚSICA DRAMÁTICA E CONTINUE EM SINTONIA.
“Levantou-se mais tarde e, meio
zonza, dirigiu-se para o banheiro. O sol já andava alto e um feixe de luz, como
um holofote, clareava a pia, fazendo brilhar pequenos pontinhos pretos.
Intrigada, examinou os pontinhos. A
medo, passou a ponta do dedo indicador nas bordas da pia. Examinou
demoradamente e, enfim, percebeu: eram pedacinhos da barba do marido.
Quase podia tocar o ar parado:
tensa, toda ela, teve, por momentos, a percepção do sem começo e sem fim. Irremediável percepção de si mesma: um
pontinho descartável do todo de uma barba que cresceria infinitamente se não
fosse cortada. Era um segmento do tempo; era um pontinho preto a ocupar um
espaço e um lugar.
Olhou-se no espelho.”
UMA
BALEIA MERGULHA LENTAMENTE NO MAR CALMO.
“Eram noivos de riso fácil, subindo
a ladeira estreita, calçada de paralelepípedos, numa tarde de domingo. O morno
do ar subindo pelas pernas, umedecendo as mãos.
Com um rangido de dobradiça, uma
velha abriu a janela. Tinha os olhos franzidos e guardava nas dobras do rosto
uma vida franzina, toda ela debruçada na janela.
Aquela janela não existiria sem a
velha.
Desde quando estaria ela na janela,
espreitando a balbúrdia da rua que passava e passava enquanto a vida ficava
encolhida na fissura dos olhos franzidos?
Parada, teve o impulso de perguntar:
- As prímulas ficaram em botão? Onde? Abotoadas em seu colo?
Mas não teve coragem. Sua felicidade
era tão grande, tão segura parecia nas mãos dadas ao noivo, que não teve
coragem.
SIRENE.
ATENÇÃO SUBMARINO: EMERGIR
IMEDIATAMENTE!
“Permaneceu defronte o espelho e
fixou seu próprio colo. Já não tão alvo, já nem tão cheio, arfava e deixava-se
percorrer por um calafrio de dúvida: aquela pobre velha, seria ela?
Como ela, a velha teria sido feliz
depositando a vida nas barbas do marido, todo dia raspada e jogada e jogada?
Desatou em profundo suspiro.
Lento, imenso como um fardo de
dívidas desmoronando a dádiva de estar viva ao mesmo tempo que o ser amado. Não
havia arbitrariedade em sua existência: sua vida era um filme cuja estória já
estava terminada. Agora ela sabia; via através das fímbrias de sua própria
vida, o projetor dela mesma.
Fez a água jorrar da torneira com abundância e limpou a pia com frenesi até
que não restassem vestígios da barba: até que ouvisse o clique do projetor se
desligando.”
`A tardinha recebeu o marido que
chegava do trabalho: um homem de 33 anos. E imberbe!
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