sexta-feira, 25 de maio de 2012

FARINHA


P/ Roberto do Valle

Numa gaveta da cozinha descansa um livro
de receitas. Não faço segredos
: uma colher de mel adoça o trigo.
Boca a boca explico mas o mesmo pão
não fica igual no forno da vizinha.
Cozinheira se nasce. Sozinha a mão
cozinha inventa renasce
mesmo que se perca a poética de Maiakovsky
-         como fazer versos –
mesmo que se esqueçam alertas de Drummond
-         como procurar poesia.

Em meus pães amasso brados de Maiakovsky
: pães que não crescem
  nos fornos das indústrias
  nem deglute o povo
  que, este, engole farinha.
Em meus fornos amoreno sussurros de Drummond
: biscoitos que se derretem
  à boca da noite
  no Calendário da Vendemia.
É na ventania que se engendram
a chuva e o claro verde de nova safra
: endereço onde busco o ingrediente,
  poeira de farinha
                                  espargida
  por todo universo.
Farinha que gruda em tudo
e em tudo se transforma.

Estará em crise a poesia?
-         perguntam.
Incrédula ouço: CRÍÍÍ-SE
CRISE – CRISE – CRISE
CRI, CRI, CRI
E a pergunta se dissolve
no jardim povoado de grilos.
E o jardim se dissolve
na poeira de farinha e ventania
: currupio de poesia
  num ciclone se retirando
  antiga
  do quintal e pomar varridos.
: arrepio de penacho
  numa motoca se refestelando
  a 200 por hora
  atrás da poesia da vida
  que nem saiu de casa esta manhã.
Nem há de sair: versos
e pães
se fazem com esta farinha
grudada em tudo que existe no mundo.

Existe no mundo vasto número
de endereços, não faço segredos:
vagido de homem crescendo arranha-céu
pedra cimento ferro,
rasante de borboleta zonza
( certeza? )
entre veículos buzinas passos
da Av. Rio Branco, SP
que era endereço mas já não é
pois poesia vi no dedo de  riso e prosa
que tiravam vizinhas entre um cisco
e outro
varrendo calçadas.

Endereço muito conhecido
é a sarça de azaléia ardente
do jardim da casa à frente
: paisagem perdida por agosto inteiro
  que se consumiu sem um verso sequer.
  Mas esta florada de mal-me-queres
  Já conheço
  : a poesia desconhece conjugação de verbos.
Por conhecer e ser a seiva das coisas
desconhece
rótulos etiquetas padrões
do homem que lida com
postura maçanetas patrões.
Feito amor desatento
Se me preparo em festa
diz que não vem.
Depois, afaga o desalento
Acendendo luzes, colorindo o velório.

Descompasso de relógio.

O tempo que leva a massa do pão
para crescer, depende da farinha
que o poeta amassa cedo
que o povo engole seco.

Conjugar tais verbos em versos conjurados
é vestir um sopro, criar
nuances insondáveis para camaleão leoa braba
: esta poesia na qual esbarro
  a todo momento
  mas que em nenhum momento se mostra
  amiga de metralhas.
Antes amiga do sono na penumbra do quarto
: cobertores ao chão, livres que são
  crianças. Livres deste grilhão
  de verbos e versos
  que não se dão as mãos.


Antes a inconsciência na alma
que acordar manhã de sol
e vê-la nublar-se com a poeira
de  farinha, sufocando o planeta
que tomba de joelhos.
Antes destruir o aparelho
que ver o milagre da comunicação
multiplicando papas
para joelhos dobrados de dor
para narinas tapadas de farinha.

Farinhas! Não pães
pra fome no sopé da montanha.
Que Moisés hoje chegaria ao topo
( do cifrão? )
senão pelo refrão da vã esperança?

Só que o azeite da sarça se acaba
na refinaria
e no calor da tocha olímpica
: vedete boicotada
  concedendo a bunda no afã.

O pranto abafo neste canto
: cozinheira alegre cobrindo a massa
  pra que depressa cresçam pães.
E vinho nas veias dos devotos.

Bandeira branca, poesia.
Tudo fica vizinho de ti.

 todos os direitos reservados AKEMI WAKI

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