P/ Roberto do Valle
Numa gaveta da cozinha
descansa um livro
de receitas. Não faço
segredos
: uma colher de mel adoça
o trigo.
Boca a boca explico mas o
mesmo pão
não fica igual no forno
da vizinha.
Cozinheira se nasce.
Sozinha a mão
cozinha inventa renasce
mesmo que se perca a
poética de Maiakovsky
-
como fazer versos –
mesmo que se esqueçam
alertas de Drummond
-
como procurar poesia.
Em meus pães amasso
brados de Maiakovsky
: pães que não crescem
nos fornos das indústrias
nem deglute o povo
que, este, engole farinha.
Em meus fornos amoreno
sussurros de Drummond
: biscoitos que se
derretem
à boca da noite
no Calendário da Vendemia.
É na ventania que se
engendram
a chuva e o claro verde
de nova safra
: endereço onde busco o
ingrediente,
poeira de farinha
espargida
por todo universo.
Farinha que gruda em tudo
e em tudo se transforma.
Estará em crise a poesia?
-
perguntam.
Incrédula ouço: CRÍÍÍ-SE
CRISE – CRISE – CRISE
CRI, CRI, CRI
E a pergunta se dissolve
no jardim povoado de
grilos.
E o jardim se dissolve
na poeira de farinha e
ventania
: currupio de poesia
num ciclone se retirando
antiga
do quintal e pomar varridos.
: arrepio de penacho
numa motoca se refestelando
a 200 por hora
atrás da poesia da vida
que nem saiu de casa esta manhã.
Nem há de sair: versos
e pães
se fazem com esta farinha
grudada em tudo que
existe no mundo.
Existe no mundo vasto
número
de endereços, não faço
segredos:
vagido de homem crescendo
arranha-céu
pedra cimento ferro,
rasante de borboleta
zonza
( certeza? )
entre veículos buzinas
passos
da Av. Rio Branco, SP
que era endereço mas já
não é
pois poesia vi no dedo
de riso e prosa
que tiravam vizinhas
entre um cisco
e outro
varrendo calçadas.
Endereço muito conhecido
é a sarça de azaléia
ardente
do jardim da casa à
frente
: paisagem perdida por
agosto inteiro
que se consumiu sem um verso sequer.
Mas esta florada de mal-me-queres
Já conheço
: a poesia desconhece conjugação de verbos.
Por conhecer e ser a
seiva das coisas
desconhece
rótulos etiquetas padrões
do homem que lida com
postura maçanetas
patrões.
Feito amor desatento
Se me preparo em festa
diz que não vem.
Depois, afaga o desalento
Acendendo luzes,
colorindo o velório.
Descompasso de relógio.
O tempo que leva a massa
do pão
para crescer, depende da
farinha
que o poeta amassa cedo
que o povo engole seco.
Conjugar tais verbos em
versos conjurados
é vestir um sopro, criar
nuances insondáveis para
camaleão leoa braba
: esta poesia na qual
esbarro
a todo momento
mas que em nenhum momento se mostra
amiga de metralhas.
Antes amiga do sono na
penumbra do quarto
: cobertores ao chão,
livres que são
crianças. Livres deste grilhão
de verbos e versos
que não se dão as mãos.
Antes a inconsciência na
alma
que acordar manhã de sol
e vê-la nublar-se com a
poeira
de farinha, sufocando o planeta
que tomba de joelhos.
Antes destruir o aparelho
que ver o milagre da
comunicação
multiplicando papas
para joelhos dobrados de
dor
para narinas tapadas de
farinha.
Farinhas! Não pães
pra fome no sopé da
montanha.
Que Moisés hoje chegaria
ao topo
( do cifrão? )
senão pelo refrão da vã
esperança?
Só que o azeite da sarça
se acaba
na refinaria
e no calor da tocha
olímpica
: vedete boicotada
concedendo a bunda no afã.
O pranto abafo neste
canto
: cozinheira alegre
cobrindo a massa
pra que depressa cresçam pães.
E vinho nas veias dos
devotos.
Bandeira branca, poesia.
Tudo fica vizinho de ti.
todos os direitos reservados AKEMI WAKI
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