Em janeiro escrevi um artigo abordando esse tema – Autogestão e Ação Direta: são conceitos que o Anarquismo adota como formas de militância ideológica e/ou mobilização solidária no seio das comunidades.
Volto ao tema porque tenho tido notícias de muitos exemplos de ação direta não violenta, que, sem alardes e sem que a sociedade em geral fique sabendo, tem solucionado alguns problemas de âmbito local ou pessoal.
Em tese, o bem estar do povo é da alçada dos governantes de um país.
Porém, o jeito cínico e escrachado com que muitos dos nossos políticos administram as riquezas do Brasil em causa e vantagem próprias desperta cada vez mais a necessidade de nos mobilizarmos para solucionar os problemas que afetam diretamente o dia a dia de nossas vidas.
Estas soluções, bastante diferentes na forma e na realização, resultam da AÇÃO DIRETA, um dos conceitos libertários do Anarquismo, se não o mais importante dessa ideologia que pretende prescindir de governos e governantes e prega, inclusive, a desobediência civil.
Alguns exemplos, diretamente da minha coleção de atitudes Ação Direta:
· Um paraplégico que, cansado de esperar por uma solução da prefeitura local, eliminou a marteladas os obstáculos e os degraus que impediam a passagem da sua cadeira de rodas.
· Moradores de uma rua de tráfego muito movimentado, cansados de fazer infrutíferas petições por lombadas redutoras de velocidade e de chorar pelas mortes por atropelamento, muniram-se de picaretas e pás para cavar valas que surtiram o mesmo efeito que as lombadas.
· Geralmente moradores de condomínios de médio e alto padrão mal se conhecem: “vizinho” é aquela pessoa com quem compartilhamos o elevador com um desconfortável sorriso amarelo.
No Itaim Bibi, na capital paulista, existem muitos prédios. O arrastão ocorrido em um prédio da Rua Itacema, à plena luz de uma tarde de domingo sem que nenhum dos vizinhos percebesse, foi o estopim para mudar radicalmente esse jeito indiferente de ser vizinho.
Hoje, o Grupo de Síndicos da Rua Itacema e Entornos tem 26 representantes de condomínios e faz parceria com a Polícia Militar em seu programa chamado Vizinhança Solidária. Há uma rede de comunicação via rádio, reuniões mensais e os vizinhos passaram a se comunicar e trocar informações, notificando mudanças de rotina, troca de carro, ausências por viagens etc. – todos passaram a saber de todos, “fofocando” a vida dos vizinhos para que qualquer sinal ou movimento estranho alertasse a vizinhança.
A fofoca do bem surtiu efeito: as ocorrências diminuíram em 50%.
As motivações para a AÇÃO DIRETA dos casos citados envolveram sentimentos como revolta, necessidade, medo e insegurança.
A necessidade é a mãe das realizações humanas, mas a atitude libertária envolve também outros sentimentos e motivações.
Liberdade. Solidariedade. Justiça. Desobediência Civil. Amor ao próximo, como parece ser o caso do programa QUEM AMA REPARTE – uma ação direta de aquecer corações.
· O projeto idealizado pelo pastor evangélico da Igreja Quadrangular, Jonas Ferreira, começou reformando um barraco de tijolo no Parque Oziel. No início o Pastor Jonas trabalhava sozinho: não houve adesão imediata da comunidade quando o pastor lançou o programa, porque nós humanos somos assim mesmo: sair de nossa zona de conforto, ainda que isso signifique morar em barracos, exige muito comprometimento psicológico. Muita gente prefere não arriscar. Com o tempo o Pastor ganhou a confiança da comunidade: vieram as adesões, e o programa cresceu. Agora conta com 110 colaboradores que contribuem com R$ 70,00 mensais para a compra dos terrenos e do material de construção necessários para a construção de casas destinadas para as pessoas selecionadas. A construção é feita em regime de mutirão (aos sábados) e a entrega da casa é feita mediante sorteio. Por enquanto só foram entregues duas casas, por sorteio entre os oito escolhidos para receber suas residências até 2013.
São os colaboradores que elegem as famílias a serem contempladas, segundo critérios de seleção que priorizam os que não possuem casa, vivem em favelas ou áreas de risco, tem filhos pequenos ou jovens em idade escolar, contribuem com o mutirão e participam ativamente da comunidade. Em troca, os beneficiados comprometem-se a participar dos mutirões do programa, investir na educação dos filhos, manter o imóvel em boas condições. Fidelidade ao programa, enfim.
Quando o programa surgiu em 2004, o preço dos terrenos era mais acessível: por volta de R$ 15 mil. Depois do boom imobiliário ocorrido nos últimos anos, os terrenos custam quase 7 vezes mais. Por isso, o projeto Quem Ama Reparte pretende buscar patrocínios para dar continuidade ao programa e sonha em ser uma ONG.
Alguém se habilita?
· A questão da Sustentabilidade tem suscitado muitas atitudes Ação Direta e são fartamente divulgadas porque, afinal de contas, trata-se de cuidar de nossa morada.
Podemos afirmar que as atitudes e mobilizações das pessoas nos casos citados resultaram de transformações internas com intenso comprometimento psicológico. O nível de insatisfação com as circunstancias e condições dos seus universos de vida, a necessidade de autodefesa e o apoio do grupo foram fundamentais em todos os casos.
Tudo isso são pequenos flashs sobre pequenos universos de vida. Entretanto esses pequenos flashs poderão se multiplicar, soterrando um jeito antigo de ver o mundo para iluminar um novo jeito de viver.
10/julho/2012
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